sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Nas Florestas do Brasil - Ou uma História Missionária de fé, Coragem e graça de Deus

Primeira parte do Artigo que escrevi para a Revista "Tikšanas" contando uma breve História dos Batistas Letos no Brasil – Publicado na Língua Leta na Revista “Tikšanas” / setembro/2007 - http://www.tiksanas.lv/

O povo leto está presente em todos os continentes. No Século XX um grupo se dirigiu ao Brasil, sendo que grande parte eram de Batistas. Uma das últimas viagens internacionais da ex-presidente Vaira Vīķe-Freiberga foi ao Brasil, sendo que a primeira cidade a ser visitada foi Nova Odessa, no Estado de São Paulo, onde também se estabeleceram os letos no ano de 1906. Ela pode ver conhecer pessoalmente os letos e seus descendentes que vivem no Brasil.

De tempos em tempos ouvimos lindas histórias sobre as coisas que Deus realiza em e através de seu povo. Na dinâmica de Deus, muitas vezes não entendemos o “por quê” de muitas coisas que acontecem, mas “sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8.28). Uma destas lindas e fantásticas histórias do povo de Deus começou bem aqui perto, através dos Batistas da Letônia.

Esta importante e interessante história teve início já em 1890, quando alguns pequenos grupos de letos começaram a se transferir para o Brasil, estabelecendo-se principalmente nas cidades de Ijuí, Rio Novo, Urubici e Nova Odessa, mas teve seu ápice em 1922 e 1923, quando cerca de 2500 pessoas, na grande maioria Batistas, dentre eles muitos pastores e líderes, deixaram suas congregações e embarcaram para um Brasil, ainda desconhecido e selvagem. Para muitos observadores, aquele parecia ser um momento de incensatez, de divisões nas famílias e de grandes riscos, pois a Letônia havia à pouco se tornado República, e com esta saída o trabalho Batista seria muito prejudicado.

Não podemos, em poucas linhas, nem mesmo resumir a história. Assim queremos apenas relatar, em linhas gerais, o que ficou registrado por alguns daqueles que ali viveram. Neste relato queremos enfatizar os letos que partiram em 1922 e 1923. Tendo como um dos principais líderes o Pastor Jānis Inķis, este grupo adquiriu terras em uma localidade no interior do Estado de São Paulo, distante cerca de 600 Km do litoral. Deram ao local o nome “Varpa”[1], pensando no significado da palavra, ou seja, aquele local seria como uma espiga, uma unidade na qual se acham fixadas muitas outras, que são os grãos, cheios de pontencialidade, para em seu tempo também frutificarem. Ali viveram os primeiros anos com muita dificuldade, pois precisaram derrubar densa floresta, construir casas para suas famílias, conviver com enfermidades que não sabiam ainda tratar. Neste capítulo da história muitas vidas foram ceifadas e ainda hoje podemos lembrar delas quando visitamos o Cemitério dos Pioneiros em Varpa.

Desde a chegada à Varpa, a preocupação principal daqueles letos não foi a de estabelecer um comércio ou mesmo construir suas próprias casas. Em primeiro lugar buscavam adorar ao seu Deus e proclamá-lo para os habitantes daquela nova terra. Assim, sob a liderança espiritual do Pr. Jānis Inķis e de um colegiado formado pelos também pastores Otto Vebers, Arvido Eichmann, Alberto Eichman, André Klavin, André Pinchers e Carlos Krauls, foram vencendo as dificuldades iniciais, principalmente quanto à adaptação climática e alimentar. Passado algum tempo, surgiram algumas murmurações quanto ao sistema de governo e, sob a iniciativa do próprio colegiado, foi eleita uma diretoria que estaria administrando a colônia. Neste tempo, as decisões gerais começaram a ser tomadas nas chamadas “Assembléias da Colônia Varpa”, através da participação democrática de todas a famílias. Neste tempo a terra adquirida foi dividida em glebas que variavam de 500 mil m2 a 25 mil m2, dependendo do tamanho das famílias e também das atividades profissionais por elas desenvolvidas.

Mas sem dúvida o principal destaque foi o desenvolvimento da obra missionária. Mesmo sem ser uma agência missionária estabelecida e não possuindo os recursos nem treinamento formal para tal, foi considerado o terceiro grupo que mais plantou Igrejas Batistas em solo brasileiro, segundo citação do missionário Norte-americano W. C. Taylor, que também atuou no Brasil. Em seus primeiros anos apoiaram igrejas de origem eslava, alemãs e lituanas, que precisavam de ajuda, pois também muitos destes povos haviam chegado ao Brasil, não com o mesmo espírito missionário dos letos, mas principalmente para se afastarem do momento difícil que passava a Europa. Mas o principal trabalho foi realizado entre os brasileiros. Neste tempo, jovens letos que encontraram mais facilidade para o aprendizado do Português, saíam de Varpa e percorriam até 30 km à pé, à cavalo ou de conoa visitando sítios, fazendas e vilarejos onde lá iniciavam um ponto de pregação, falando da salvação em Cristo Jesus, ensinando a Bíblia e cânticos espirituais, mas também os ensinando a ler e escrever, cuidando dos enfermos, bem como ensinando princípios de higiene e cuidado com a saúde. Um depoimento de um daqueles jovens, hoje já falecido Pr. João Augstroze, diz:

Constrangidos pelo amor infinito de Cristo, sem organização nem sustento, saíam os grupinhos de pioneiros para os lugares próximos e distantes, para visitar os ranchos dos brasileiros espalhados pelas matas, a fim de com eles cantar do amor de Deus, de Jesus – o Salvador; ensinar a ler e escrever aos que desejassem aprender; e estabelecer relações de amizade e confiança mútua, com vistas a um trabalho mais amplo nos dias vindouros. Alguns domingos esses grupinhos chegaram a andar cerca de 60 Km para visitar os locais de trabalho, com uma simples merenda que levavam consigo. Assim eu, como os demais obreiros, não fomos convidados por ninguém para fazer aquele trabalho, e nem fomos organizados ou sustentados materialmente por alguém. Aquele era um serviço voluntário; cada um ganhando o seu sustento com suas próprias mãos e anunciando o evangelho às gentes sem que para isto recebesse qualquer pagamento.[2]

O Pr. João Lukass, também tendo vivido este tempo quando jovem relatou[3]:

Esse trabalho foi abençoado. Os vizinhos observavam: “Essa gente não busca o que é nosso, mas a nós”. E Deus abria corações, como fez com Lídia em Filipos. Surgiram pontos de pregação, escolas bíblicas dominicais, congregações e igrejas. Houve tempo quando as escolas do nosso campo missionário contavam com mais de 500 alunos...

Não podendo deixar as crianças e jovens sem educação, foram ali também estabelecidas a “Escola Elementar de Palma”, onde estudaram algumas crianças e adolescentes que posteriormente se destacaram em suas áreas de atuação. Podemos citar alguns nomes: Elza Aciekste, que foi médica na Espanha; Zênia Birzniek, missionária-enfermeira no interior do Brasil e Carlos Gruber, conhecido pastor e evangelista internacional e condecorado como Cavaleiro das Três Estrelas da Letônia.

Também para suprir a necessidade de treinamento de jovens vocacionados para ministério cristão foram organizados o “Curso Bíblico para obreiros Eslavos”; a “Escola Missionária do Sertão” e o “Curso de Extensão do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil”.

Passada a primeira fase mais difícil de adaptação, e não se contentando em pregar o evangelho somente em terras brasileiras, um grupo de líderes avançou para áreas ainda mais selvagens e longínquas do Continente Sul-americano, chegando ao interior da Bolívia e ali estabelecendo a “Missão em Ricon Del Tigre”, em 1946. Da mesma forma que em outras oportunidades, logo foi formada uma congregação Batista e também uma escola para educar principalmente os indígenas residentes alí. Ainda hoje este trabalho continua produzindo frutos e é um grande testemunho do amor de Deus à toda nação Boliviana.

Queremos na próxima edição continuar relatando as atividades dos letos e descentes no período após a Segunda Grande Guerra Mundial até os dias de hoje.

Das Florestas para as cidades

A Segunda fase da vida dos Batistas Letos no Brasil

Segunda parte do artigo, publicado na Revista “ Tikšanas” – Setembro/2007

Na edição anterior da Revista Tiksanas relatamos as dificuldades, lutas e realizações dos letos batistas no Brasil, principalmente aqueles que partiram nos anos de 1922 e 1923 e estabeleceram-se na Colônia Varpa. Queremos agora relatar alguns acontecimentos no período entre o final dos anos 40 e os dias atuais.

Vencidas as lutas dos primeiros anos no Brasil, as notícias que chegavam da Europa e da Letônia não eram boas. Relatos dos que conseguiram fugir da guerra e dos difíceis primeiros anos da ocupação soviética eram que a igreja, e todos aqueles que tinham posição mais privilegiada na sociedade, estavam sendo perseguidos e muitos sendo deportados à regiões distantes. Foi neste contexto que muitos começaram a entender que o Senhor os havia livrado de tão grande tribulação e agradeciam a Deus as lutas vencidas naqueles difíceis primeiros anos.

Neste tempo, também por conta da chegada de muitos imigrandes italianos, espanhois, japoneses, alemães e outros grupos menores, muitas cidades começaram a ser fundadas na região em que a Colônia Varpa estava estabelecida. Esta também foi uma grande oportunidade para que, em cada cidade pudessem ser fundadas também congregações batistas, boa parte delas dirigidas por pastores letos ou por famílias que procuravam melhores oportunidades de trabalho. Em fins dos anos 40, podia-se somar 105 congregações e pontos de pregação que eram dirigidas pela Missão Sertaneja de Varpa. Muitas dessas localidades são hoje populosas cidades, onde diversas igrejas já foram plantadas e muitos líderes, letos ou brasileiros, foram chamados para servir na obra cristã.

Neste mesmo tempo, muitos jovens da Colônia Varpa, desejando um melhor preparo para servir no ministério cristão, se dirigiam ao Rio de Janeiro, onde existe um das maiores escolas de teologia do Brasil, o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Outros tantos, desejando melhores oportunidades de trabalho partiam para a cidade de São Paulo e outras grandes cidades, para assim poderem trabalhar ou estudar. Não temos condições aqui de citar nomes sem incorrermos em injustiças, mas uma lista, contida no Livro “Uma Epopéia de Fé, a história dos Batistas Letos no Brasil”, do Pr Osvaldo Ronis, pg.481, mostra 184 nomes de letos, que até 1974 tiveram destaque tanto na área eclesiástica, musical, missiológica, acadêmica e profissional.

Uma citação interessante que o próprio autor deste artigo faz é que quando pastoreava, entre os anos de 2002 a 2005 a Segunda Igreja Batista de Jacupiranga, no Estado de São Paulo, descobriu que uma das igrejas batistas da cidade vizinha de Pariquera-açu também foi fundada por uma família de letos, que por lá viveram uns tempos. Também ouvindo o relato de crentes mais antigos que moravam na região constatou que um dos pioneiros na evangelização daquela região foi o pastor Carlos Stroberg, que fazia incursões missionárias deste o Estado do Paraná. É notável verificar que, visitando igrejas batistas no Brasil, principalmente na região Sudeste e Sul, teremos uma grande chance de ouvir que por ali já passou alguma família de letos ou que algum pastor de origem leta já dirigiu aquela congregação.

Não poderíamos também deixar de citar a grande contribuição dada na área na musical, lembrando o nome de Artur Lakschevitz, que além de além exercer atividades como professor de Química e Física em escolas do Rio de Janeiro, destacou-se principalmente na área da música, tendo composto vários hinos além de ter compilado o hinário denominado “Coro Sacros”. Interessante história foi o casamento de Tabita Kraul, que chegando ao Brasil ainda bem jovem, casou-se com o Engenheiro e Pastor José de Miranda Pinto. Ele, devido ao forte ardor missionário fundou o Seminário Teológico Betel, no Rio de Janeiro. Hoje Tabita Kraul Pinto, com 84 anos, já deixou a direção executiva do seminário, mas continua exercendo atividades principalmente de intercessão e aconselhamento, bem como apoiando o trabalho que agora vem sendo continuado por um dos filhos, o pastor Neander Kraul de Miranda Pinto.

Esforços vem sendo feitos para que o mesmo espírito de consagração bem como o ardor missionário permaneçam na terceria e quarta geração dos descendentes de letos. Para tanto a Associação Batista Leta do Brasil, atualmente presidida pelo Pastor Benjamim William Keidann, realiza congressos anuais, que buscam refletir sobre história dos letos, cultura e espiritualidade, e principalmente unir esforços para a manutenção de trabalhos evangelísticos e missionários. Atualmente a Associação Batista Leta do Brasil tem apoiado trabalhos missionários em Rincon del Tigre, na Bolívia; e plantação de igrejas nas cidades de Bom Retiro e Petrolância (Santa Catarina); e Guaraqueçaba e Ortigueira (Paraná). Jovens missionários de descendência leta têm realizado significativo trabalho missionário na Floresta Amazônica, juntos aos índios Ianomanis e com os Ribeirinhos no Estado do Pará.

Nos últimos anos a igreja cristã evangélica do Brasil tem experimentado um forte crescimento, sendo que o número de membros ligados às igrejas da Convenção Batista Brasileira passa de 1 milhão, distribuidos em cerca de 7100 igrejas, além de congregações e pontos de pregação. Os Batistas brasileiros têm duas agências missionárias. Uma denominada Junta de Missões Nacionais, destinada a fazer missões dentro do Brasil, e a Junta de Missões Mundiais, voltada para missões internacionais, com cerca de 600 missionários espalhados em 62 países na América, Europa, África e Ásia. Nestas duas agências contamos com missionários de origem leta, desde trabalhando com índios na região amazônia do Brasil, quer servindo em outros países. Mais especificamente no Leste Europeu, temos missionários batistas brasileiros na Romênia, Albânia, além do Cazaquistão. Estes missionários coordenam cerca de 140 missionários autóctones (da terra) espalhados por quase todos os países desta grande região.

Recentemente o autor deste artigo, juntamente com sua esposa e filhos foram enviados à Letônia para aqui servirem, apoiando o trabalho dos missionários autóctones já existentes nos Países Bálticos, bem como os projetos evangelísticos e missionários da União das Igrejas Batistas da Letônia. Quando do culto de despedida da família, o então Diretor Geral da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira, Pr. Valdemiro Tymchak, disse em sua pregação que os batistas brasileiros estavam assim tentando devolver à Letônia um pouco daquilo que receberam no século passado. Pensamos ser impossível o Brasil recompensar, na mesma medida, tão grande dádiva, que foi a imigração dos batistas letos ao Brasil. Somente o Senhor poderá fazê-lo, de acordo com Sua infinita riqueza em glória.

Ao Senhor que dá vida e vida em abundância, que envia, que nos sustenta seja dada a glória hoje e para todo sempre!



[1] a palavra “Vārpa” na língua leta significa “espiga”.

[2] Augstroze, João. Questionário de pesquisa, o qual se acha nos arquivos do Museu Batista do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Rio de Janeiro.

[3] Lukass, João, “Pa misiones tekam”, Kristigs Draugs, n.1 janeiro de 1948, pag.4

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